Boooom dia, Vietnam!!!!!
O que vou propor agora, tristes macacos, é uma coisa simples, como aquela orientação que fazem os terapeutas, para esvaziar a mente e relaxar. Tentem somente deixar de lado suas convicções quotidianas e suas aflições pessoais e observarem com dedicada atenção para duas pontas que parecem distantes no mar, mas sob a superfície podem muito bem estar ligadas num bloco de gelo pavorosamente grande. Num olhar simplista, Herinaldo Santana e Aylan Kurdi nada tem a ver além de serem ambos crianças, serem ambos de família pobre e estarem ambos mortos. Um deles, morador de periferia, com a cor e aquela aparência que uma sociedade excludente e segregacionista considera o rótulo da pobreza, do indesejado, típicas do marginal. O outro, certamente vindo de alguma zona suburbana, enfrentou tamanha pobreza e violência que os pais, em desespero, preferiram fugir para um país mais promissor que aquele onde nasceram. Um morreu nesta fuga arriscada em busca de uma segurança, uma fartura e dignidade que lhes fora negada, expondo as mazelas consequentes da exploração e da desigualdade na divisão das riquezas do mundo, mostrando que a invejada e almejada riqueza da Europa não é fruto meramente de seu esforço, mas também do seu passado explorador e usurpador. Outro morreu em consequência de sua origem humilde que o tornou, aos olhos de quem controla a sociedade, em escória, o tipo de indivíduo que, se não está carregando nas costas as classes dominantes, é uma ameaça armada à civilidade, aos direitos de consumir e que deve ser executado pelo aparato considerado mais eficiente para manter a ordem: a polícia.
Ambos acabam sendo indicadores de uma pandemia de intolerância, de desigualdade, de falência de valores ultrapassados cujos defensores, atuais detentores do poder aqui no Brasil e pelo mundo todo, se recusam a aceitar e assumir sua responsabilidade de rever.
Vão chamar Herinaldo, com seus 11 anos perdidos à bala, de bandido - ou projeto de - mas vão chamar Aylan de anjo e vão fechar os olhos para o massacre dos povos indígenas sob a mão de ferro do progresso predatório. Da mesma forma, há na Europa quem festeje a morte de Aylan, juntamente com um número indizível de outros fugitivos da África e Oriente Médio, pois estes são a escória que macularia a civilidade limpa e reluzente da Europa. E há, ainda, os que aqui no Brasil sugeriram mandar nordestinos em embarcações precárias e improvisadas para se afogarem tentando chegar á Europa, e há os que, na omissão do estado e do alto de seus direitos de classe abastada e branca, promoveram mais um ato na guerra social brasileira agredindo moradores da periferia que estavam ali, em território de elite.
Todos os dias se fala em crise, em alta do Dollar, de lojas encerrando atividades, cada um defendendo um interesse próprio que ignora, muitas vezes voluntariamente e em interesse próprio, que a única e verdadeira crise é a da Humanidade, do Capitalismo como ele é. Uma mera consequência de todas as atrocidades que o ser humano vem perpetrando desde que o primeiro macaco se pôs de pé e empunhou uma clava alguns milhões de anos atrás.
Mas, claro, basta eleger outro para presidente e tudo há de melhorar de pronto. O culpado é, obviamente, um só. E toda a histeria feminista será silenciada, porque o feminismo se provará desnecessário e os homens, assim como a luta dos que suportam as causas LGBT, pois a discriminação contra homossexuais é tão irreal e superestimada quanto o machismo, a sociedade será igualitária e todos terão direitos iguais se não forem negros nem viverem nas áreas mais pobres das periferias e assim será com uma série quase infinita de pequenos e grandes massacres sociais, dentro e fora do Brasil. A ignorância que condena o fraco perdoa o forte, esta é a premissa da tragédia dos macacos falantes que começa do outro lado da rua, com um mendigo que foi queimado vivo e termina em genocídio, com ameaças às selfies e curtidas por conta da alta do Dollar.
O mundo é escamoso, vai por mim.